POTENCIALIDADE PARA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA COM ÁLCOOL DE FAZENDA

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

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Juarez de Sousa e Silva/ Roberto Precci Lopes
         Transformar a agricultura de pequeno e de médio porte em produtora de energia pode parecer, para muitos, utopia ou uma ideia descabida. Quem domina as técnicas de produção de álcool combustível em pequenas escalas pode, com segurança, afirmar ser viável e competitiva a produção de energia elétrica usando álcool de fazenda, com a energia das fornecedoras, cobrada nos preços atuais. Para atingir essa meta, basta formar, em determinado município, uma cooperativa de produtores com capacidade para fornecer, por exemplo, vinte mil litros de etanol por dia.
Se forem verificados os cálculos de produção, seria necessária uma área de aproximadamente 800 hectares cultivados com cana-de-açúcar. Para executar esse empreendimento, haveria necessidade da produção de apenas 25 microdestilarias, com produção média, por unidade produtiva, de mil litros de etanol por dia e ao custo de R$ 0,85 por litro.
Pensando no Brasil, em particular, verifica-se que a maioria dos nossos municípios situa-se distante das usinas geradoras de energia elétrica. Para atender grande parte dos produtores rurais, o País é obrigado a fazer grandes investimentos, cujo retorno, em muitos casos, é apenas social. Como não é muito lucrativo, devido ao baixo consumo no meio rural, os serviços prestados pelas concessionárias de energia elétrica são, em geral, de qualidade questionável, o que, em conseqüência, inviabiliza as atividades produtivas de impacto econômico significativo.
A geração descentralizada de energia elétrica, em sistema cooperativo, poderia suprir as demandas regionais, e o excedente poderia ser comercializado segundo normas oficiais. No caso de comunidades isoladas, poder-se-ia, com base no álcool de fazenda, gerar energia elétrica suficiente para o atendimento à população dessas comunidades.
Numa avaliação do uso do etanol como fonte de energia para produção de eletricidade, considerando consumo de 0,43 L de etanol por kW (EMBRAPA, s/d), a geração de energia, por esse meio, forneceria 1 kWh ao custo de R$ 0,36. Esse valor é compatível com o subgrupo tarifário B2 da Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, que é de R$ 0,33 por 1 kWh (tarifa rural acrescida de impostos).
Se for considerado que a geração de energia localizada dispensa as linhas de transmissão e sua manutenção, fica mais evidente a vantagem da geração descentralizada. Coelho (2004), citado por INOUE (2008), trabalhando com um grupo gerador de 115 kW e usando óleo de dendê, produziu energia elétrica durante seis horas diárias a um custo de R$ 0,38 R$ por kWh. Por outro lado, INOUE (2008), utilizando óleo diesel em um grupo gerador com potência de 6 kVA, obteve o custo de R$ 1,29 por kWh – muito superior ao praticado pelas concessionárias de energia elétrica.
A produção de etanol como combustível para consumo próprio na propriedade rural constitui um anseio de muitos agricultores. A ausência de uma política de incentivo à produção do etanol para esse fim tem dificultado o desenvolvimento da agricultura familiar em diversas regiões do Brasil e, particularmente, em Minas Gerais, que tem, nos vales do Jequitinhonha e Mucuri, grande potencialidade.
Como comentado no artigo: “Álcool combustível para todos? Por que não? , a produção de etanol para uso restrito na fazenda ou em localidades afastadas dos grandes centros não compete com a produção de etanol em larga escala, realizada pelas usinas brasileiras. Pelo contrário, aliviaria a demanda, geraria emprego e renda no meio rural, contribuindo para a redução das tensões sociais entre o campo e a cidade, e facilitaria o mercado de exportação.
Para exemplificar a geração descentralizada com etanol, um motor a álcool com potência útil de 120 cv, acoplado a um gerador (com fator de potência igual a 0,8 e rendimento de 90%) disponibilizaria uma potência de 110 kVA, suficiente para eletrificar 20 pequenas propriedades ou uma pequena agroindústria. Adotando os mesmos índices técnicos contratados pelo Programa Luz para Todos a R$ 24.472,00 por quilômetro de linha (BETIOL JR. et al., 2006) e considerando o núcleo dos consumidores situado a 30 km da linha-tronco, o custo da rede seria de R$ 734.160,00. Por outro lado, dois conjuntos motor-gerador instalados e com acessórios (um conjunto como reserva) para a potência citada tem custo estimado em R$ 150.000,00.
Supondo que a operação do grupo gerador seja de 16 horas por dia a plena carga e de 8 horas por dia com 50% da carga (à noite), o consumo de etanol ao longo de um ano seria de, aproximadamente, 252.000 L. Uma microdestilaria de fazenda, produzindo 150 L por hora, operando 10 horas por dia, durante 200 dias por ano, produziria 300.000 L, com custo de instalação de cerca de R$ 370.000,00. A área de cana-de-açúcar necessária a um empreendimento desse porte, para uma produtividade média de 80 toneladas de colmo por hectare, seria de aproximadamente 66 ha, que poderiam ser distribuídos entre as vinte pequenas propriedades (4 ha de cana-de-açúcar por propriedade).
A implantação da cultura de cana-de-açúcar em pequenas propriedades possibilita também seu uso para outras atividades lucrativas. Essas atividades incluem a produção de aguardente de boa qualidade (com utilização da “cabeça” e da “cauda” para produção de etanol), o aproveitamento da ponta da cana para alimentação de gado e do bagaço como combustível para a fornalha e a produção de melado, rapadura e açúcar mascavo.
O mercado para os produtos supracitados é amplo, sendo constituído, sobretudo, por lojas de produtos naturais, laboratórios farmacêuticos, indústria de alimentos e de bebidas, merenda escolar, feiras livres e comércio em geral (SOUZA et al., 1998). Entretanto, uma pequena unidade de processamento de cana-de-açúcar (para atender à produção diária) requer energia e potência instalada de, no mínimo, 7 cv. Considerando ainda o consumo da casa do produtor (sede) e de outras edificações da propriedade, uma potência de 10 kVA seria o recomendado, o que, salvo exceções, não é atendido pelo programa Luz para Todos. Com a geração exemplificada, dez proprietários poderiam operacionalizar uma agroindústria artesanal em suas terras.
A geração de energia elétrica a partir do etanol em pequenas propriedades rurais, com demanda de até 10 kVA já é realidade com equipamentos fornecidos pela industria brasileira. Adicionalmente, pesquisadores do setor de energia do DEA/UFV, em parceria com a empresa “Biogás Motores”, estão viabilizando a utilização de motores veiculares na produção de energia elétrica a partir de álcool produzido na fazenda.

Grupo gerador a etanol para 40 kVA.

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Outros aspectos positivos da utilização do etanol como fonte de energia para uso no meio rural ou em localidades isoladas são:
ü Alívio do sistema elétrico, principalmente no horário de ponta.
ü Economia para os setores que, podendo gerar energia no horário de ponta, deixam de adquiri-la a um custo elevado.
ü Atendimento da demanda do usuário na medida certa de sua necessidade, evitando desperdício.
ü Geração de emprego e renda no local da produção de energia e no seu entorno.
ü Promoção do espírito cooperativista e do desenvolvimento integrado de forma economicamente igual.
ü Contribuição para a redução de emissão de gases de efeito estufa, ao substituir a geração com óleo diesel por um combustível renovável.
ü O plantio de cana-de-açúcar, por meio da fotossíntese, contribui para o sequestro de carbono na atmosfera.
ü Menor custo de manutenção com redes elétricas.
ü Contribuição para o fortalecimento de empresas nacionais na fabricação de motores e grupos geradores a álcool, e a consolidação de tecnologia nacional para esse tipo de geração.
ü Permite a produção de energia elétrica independentemente de reservatórios e barragens e a continuidade de fornecimento ao longo do ano.
ü Não fica suscetível às frequentes quedas no fornecimento de energia.
ü O combustível pode ser armazenado com facilidade e segurança para fins estratégicos.
ü O custo da energia não ficaria sujeito a variações cambiais, como acontece com os combustíveis fósseis ou o etanol industrial vinculado à gasolina.
ü Favorece a preservação do meio ambiente, pelo aproveitamento dos resíduos gerados em processos agrícolas.
ü Permitirá a inclusão de um novo agente de produção de energia elétrica, contribuindo assim para a consolidação de um novo modelo de mercado competitivo (ORTEGA FILHO, 2003).
ü É notório o freqüente desabastecimento de óleo diesel em nossas fronteiras agrícolas. Assim, a produção localizada de etanol e sua utilização em máquinas agrícolas podem contribuir para redução dos custos de produção, uma vez que o óleo diesel é um dos grandes responsáveis pelo aumento desses custos.
ü O domínio da tecnologia, desde o desenvolvimento de variedades de cana-de-açúcar com alta resistência a pragas e doenças e alta produtividade até a produção de grupos geradores a álcool, colocará o Brasil em condições de exportá-los para países das regiões tropicais (África, América Latina, Caribe, entre outras).
Adicionalmente, uma termoelétrica, projetada para uso do etanol, poderia, em cidades isoladas como nos Estados da região Norte, ser ecologicamente alimentada com etanol produzido por agricultores locais. Esse fato mostra ser o etanol um combustível estratégico para o fornecimento de energia elétrica para o País (em casos emergenciais) e um substituto em potencial para o óleo combustível e o carvão mineral utilizado em termoelétricas. Países como Haiti e Cuba, que já são produtores de cana-de-açúcar, poderiam ser amplamente beneficiados. Indiretamente, o Brasil, que já domina a tecnologia de motores e geradores, se beneficiaria com a exportação desses equipamentos.
Os impactos positivos da disponibilidade de energia em qualquer comunidade são facilmente observados. Para isso, basta comparar os aspectos sociais, econômicos e culturais antes e depois da chegada da energia. Uma das causas do empobrecimento, do êxodo rural e da falta de perspectiva de quem vive no meio rural é a falta de energia elétrica. Com a implantação de culturas energéticas, como a da cana-de-açúcar, para produção de energia e alimentos, novas oportunidades de negócio aparecerão, devido à possibilidade do desenvolvimento de atividades agrícolas e pecuárias, dependentes de energia.
Acreditamos que a produção de álcool combustível em microdestilarias, seja em sistemas cooperativos ou individuais, poderá transformar a realidade de milhares de brasileiros. Para isso, é necessário o financiamento e desenvolvimento de tecnologia de baixo custo, ambientalmente correta e eficiente, compatível com o nível socioeconômico do homem do campo, como aqui proposto.
Havendo vontade e decisão política, o Brasil será, inevitavelmente, o exemplo que os países tropicais precisam para fortalecer a agricultura familiar, com a implantação de um programa de incentivo à produção de álcool em microdestilarias e suas aplicações na propriedade rural.

BETIOL JUNIOR, G., STRAZZI, P. E., CARMO, J. R. do. Metodologia de análise técnica para redução de custo no planejamento das obras do programa "Luz Para Todos" em São Paulo. In: ENCONTRO DE ENERGIA NO MEIO RURAL, 6., 2006, Campinas
EMBRAPA. Sistema rural de bioenergia: microdestilaria, biodigestor e gerador de eletricidade. Sete Lagoas: EMBRAPA/Centro Nacional de Pesquisa de Milho e Sorgo, s/d. 15 p.
INOUE, G. H. Uso do óleo vegetal em motor estacionário de ciclo diesel. 92 f. 2008. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.
ORTEGA FILHO, S. O potencial da agroindústria canavieira do Brasil. Serrana: PHB Industrial S.A. 2003, 9p.
SOUZA, C. M. de; BRAGANÇA, M. da G. LIMA; SILVA, V. Z. Projeto casa de máquinas: como implantar uma unidade de processamento de cana-de-açúcar; fabricação de melado, rapadura e açúcar mascavo. Belo Horizonte: CEMIG/GTZ/EMATER-MG, 1998. 18 p

POTENCIALIDADE PARA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA COM ÁLCOOL DE FAZENDA

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Juarez de Sousa e Silva/Roberto Precci Lopes
           Transformar a agricultura de pequeno e de médio porte em produtora de energia pode parecer, para muitos, utopia ou uma ideia descabida. Quem domina as técnicas de produção de álcool combustível em pequenas escalas pode, com segurança, afirmar ser viável e competitiva a produção de energia elétrica usando álcool de fazenda, com a energia das fornecedoras, cobrada nos preços atuais. Para atingir essa meta, basta formar, em determinado município, uma cooperativa de produtores com capacidade para fornecer, por exemplo, vinte mil litros de etanol por dia.
Se forem verificados os cálculos de produção, seria necessária uma área de aproximadamente 800 hectares cultivados com cana-de-açúcar. Para executar esse empreendimento, haveria necessidade da produção de apenas 25 microdestilarias, com produção média, por unidade produtiva, de mil litros de etanol por dia e ao custo de R$ 0,85 por litro.
Pensando no Brasil, em particular, verifica-se que a maioria dos nossos municípios situa-se distante das usinas geradoras de energia elétrica. Para atender grande parte dos produtores rurais, o País é obrigado a fazer grandes investimentos, cujo retorno, em muitos casos, é apenas social. Como não é muito lucrativo, devido ao baixo consumo no meio rural, os serviços prestados pelas concessionárias de energia elétrica são, em geral, de qualidade questionável, o que, em conseqüência, inviabiliza as atividades produtivas de impacto econômico significativo.
A geração descentralizada de energia elétrica, em sistema cooperativo, poderia suprir as demandas regionais, e o excedente poderia ser comercializado segundo normas oficiais. No caso de comunidades isoladas, poder-se-ia, com base no álcool de fazenda, gerar energia elétrica suficiente para o atendimento à população dessas comunidades.
Numa avaliação do uso do etanol como fonte de energia para produção de eletricidade, considerando consumo de 0,43 L de etanol por kW (EMBRAPA, s/d), a geração de energia, por esse meio, forneceria 1 kWh ao custo de R$ 0,36. Esse valor é compatível com o subgrupo tarifário B2 da Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, que é de R$ 0,33 por 1 kWh (tarifa rural acrescida de impostos).
Se for considerado que a geração de energia localizada dispensa as linhas de transmissão e sua manutenção, fica mais evidente a vantagem da geração descentralizada. Coelho (2004), citado por INOUE (2008), trabalhando com um grupo gerador de 115 kW e usando óleo de dendê, produziu energia elétrica durante seis horas diárias a um custo de R$ 0,38 R$ por kWh. Por outro lado, INOUE (2008), utilizando óleo diesel em um grupo gerador com potência de 6 kVA, obteve o custo de R$ 1,29 por kWh – muito superior ao praticado pelas concessionárias de energia elétrica.
A produção de etanol como combustível para consumo próprio na propriedade rural constitui um anseio de muitos agricultores. A ausência de uma política de incentivo à produção do etanol para esse fim tem dificultado o desenvolvimento da agricultura familiar em diversas regiões do Brasil e, particularmente, em Minas Gerais, que tem, nos vales do Jequitinhonha e Mucuri, grande potencialidade.
Como comentado no artigo: “Álcool combustível para todos? Por que não? , a produção de etanol para uso restrito na fazenda ou em localidades afastadas dos grandes centros não compete com a produção de etanol em larga escala, realizada pelas usinas brasileiras. Pelo contrário, aliviaria a demanda, geraria emprego e renda no meio rural, contribuindo para a redução das tensões sociais entre o campo e a cidade, e facilitaria o mercado de exportação.
Para exemplificar a geração descentralizada com etanol, um motor a álcool com potência útil de 120 cv, acoplado a um gerador (com fator de potência igual a 0,8 e rendimento de 90%) disponibilizaria uma potência de 110 kVA, suficiente para eletrificar 20 pequenas propriedades ou uma pequena agroindústria. Adotando os mesmos índices técnicos contratados pelo Programa Luz para Todos a R$ 24.472,00 por quilômetro de linha (BETIOL JR. et al., 2006) e considerando o núcleo dos consumidores situado a 30 km da linha-tronco, o custo da rede seria de R$ 734.160,00. Por outro lado, dois conjuntos motor-gerador instalados e com acessórios (um conjunto como reserva) para a potência citada tem custo estimado em R$ 150.000,00.
Supondo que a operação do grupo gerador seja de 16 horas por dia a plena carga e de 8 horas por dia com 50% da carga (à noite), o consumo de etanol ao longo de um ano seria de, aproximadamente, 252.000 L. Uma microdestilaria de fazenda, produzindo 150 L por hora, operando 10 horas por dia, durante 200 dias por ano, produziria 300.000 L, com custo de instalação de cerca de R$ 370.000,00. A área de cana-de-açúcar necessária a um empreendimento desse porte, para uma produtividade média de 80 toneladas de colmo por hectare, seria de aproximadamente 66 ha, que poderiam ser distribuídos entre as vinte pequenas propriedades (4 ha de cana-de-açúcar por propriedade).
A implantação da cultura de cana-de-açúcar em pequenas propriedades possibilita também seu uso para outras atividades lucrativas. Essas atividades incluem a produção de aguardente de boa qualidade (com utilização da “cabeça” e da “cauda” para produção de etanol), o aproveitamento da ponta da cana para alimentação de gado e do bagaço como combustível para a fornalha e a produção de melado, rapadura e açúcar mascavo.
O mercado para os produtos supracitados é amplo, sendo constituído, sobretudo, por lojas de produtos naturais, laboratórios farmacêuticos, indústria de alimentos e de bebidas, merenda escolar, feiras livres e comércio em geral (SOUZA et al., 1998). Entretanto, uma pequena unidade de processamento de cana-de-açúcar (para atender à produção diária) requer energia e potência instalada de, no mínimo, 7 cv. Considerando ainda o consumo da casa do produtor (sede) e de outras edificações da propriedade, uma potência de 10 kVA seria o recomendado, o que, salvo exceções, não é atendido pelo programa Luz para Todos. Com a geração exemplificada, dez proprietários poderiam operacionalizar uma agroindústria artesanal em suas terras.
A geração de energia elétrica a partir do etanol em pequenas propriedades rurais, com demanda de até 10 kVA já é realidade com equipamentos fornecidos pela industria brasileira. Adicionalmente, pesquisadores do setor de energia do DEA/UFV, em parceria com a empresa “Biogás Motores”, estão viabilizando a utilização de motores veiculares na produção de energia elétrica a partir de álcool produzido na fazenda.